A maior flor do mundo
1ºEXCERTO
Sai o menino pelos fundos do quintal e, de
árvore em árvore, como um pintassilgo, desce o rio e depois por ele abaixo,
naquela vagarosa brincadeira que o tempo alto, largo e profundo da infância a
todos nós permitiu…
O rio
fazia um desvio grande, afastava-se, e de rio ele estava já um pouco farto,
tanto que o via desde que nascera. Resolveu cortar a direito pelos campos,
entre externos olivais, ladeando misteriosas sebes cobertas de campainhas
brancas, e outras vezes metendo por bosques de altos freixos onde havia
clareiras macias sem rasto de gente ou bicho, e ao redor um silêncio que
zumbia, e também um calor vegetal, um cheiro de caule sangrado de fresco com
uma veia branca e verde.
Ó que
feliz ia o menino! Andou, andou, foram rareando as árvores, e agora havia uma
charneca rasa, de mato ralo e seco, e no meio dela uma inóspita colina redonda
como uma tigela voltada.
Deu-se o
menino ao trabalho de subir a encosta, e quando chegou lá cima, que viu ele? Nem
a sorte nem a morte, nem as tábuas do destino… Era só uma flor.
2ºEXCERTO
Mas tão caída, tão murcha, que o menino se achegou, de
cansado. E como este menino era especial de história, achou que tinha de salvar
a flor. Mas que é da água? Ali, no alto nem pinga. Cá por baixo, só no rio e
esse que longe estava! Não importa.
Desce o menino a montanha,
Atravessa o mundo todo,
Chega ao grande rio Nilo,
No côncavo das mãos recolhe
Quanto de água lá cabia,
Volta o mundo todo a atravessar,
Pela vertente se arrasta,
Três gotas que lá chegaram,
Bebeu-as a flor sedenta.
Vinte vezes cá e lá,
Em mil viagens à Lua,
O sangue nos pés descalços,
Mas a flor aprumada
Já dava cheiro no ar,
E como se fosse um carvalho
Deitava sombra no chão.
O menino adormeceu debaixo da flor.
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